Despencou do pau da barra

O futebol é um balaio de superstição. O célebre goleiro Manoelzinho, que brilhou no Sport e no Náutico, tinha a mania de, protegido por uma roda de jogadores, urinar num dos postes de uma das barras antes do início da partida. Se por um motivo ou por outro não conseguisse cumprir seu ritual, o famoso caruaruense deixava o time todo preocupado. É que seus companheiros sabiam que iriam contar com um goleiro psicologicamente arrasado.

Muitos apegam-se a imagens e preces, guiados mais pelo aspecto supersticioso do que motivados pelo fervor religioso. Não é necessário ir longe para se chegar a Duque com suas mil e uma mumunhas. Ora, eram meias de cores diferentes, ora, uma camisa surrada sendo usada em todos os jogos, sem se falar nas sessões extras proporcionadas nas concentrações por Pai Edu, Dona Maria e outros pais e mães-de-santo.

O sobrenatural tem tanta força no futebol, que o técnico Osvaldo Brandão, quando ia decidir um título importante, recorria ao seu amigo, Waldomiro Silva, que estava sempre apelando para as forças extraterrenas a fim de “ganhar” os jogos para seu Santa Cruz ou para o time dos amigos, como era o caso de Brandão. A quase três mil quilômetros de distância, Waldó procurava dar aquela ajuda ao velho Brandão, que a boleirada na intimidade chamava de Caçamba.

No início dos anos 60 havia um centroavante no Palmeiras, chamado Abílio, que depois veio defender o Náutico e vestiu também a camisa do Sport. O técnico palmeirense era justamente Osvaldo Brandão, gaúcho, como Abílio. Este, a exemplo do ‘patrão’ tinha suas manias. Houve uma época em que Abílio não vinha encontrando o caminho do gol, e a torcida do Palmeiras já estava por conta. Um belo dia, às vésperas de um jogo contra o Noroeste, Abílio procurou Brandão.

– Sabe, chefe, quando eu estou numa fase braba como essa, só faço gol se subir na trave à noite.

O técnico mesmo sendo do ramo, achou a situação meio esquisita, mas topou a parada. Finalmente, na situação em que o centroavante se encontrava, tudo o que viesse seria lucro. Ficou acertado que naquela noite mesmo, Abílio subiria numa das barras do Parque Antártica, o reduto palmeirense. As traves não eram roliças como hoje, mas quadradas, o que facilitaria o cumprimento de sua mandinga. Assim, no sábado, à noite com o auxílio de uma escada, Abílio subiu no travessão, ficando lá um tempão, concentrado, fazendo suas promessas e orações.

Não deu outra. No dia seguinte, Abílio fez as pazes com o gol e o Palmeiras meteu três no Noroeste. O centroavante ficou feliz, Osvaldo Brandão mais ainda. Claro que a imprensa não sabia e o assunto circulava muito reservadamente entre os jogadores. O jogo seguinte era contra a Portuguesa, um clássico. Desta vez foi o próprio Brandão quem estimulou Abílio a subir no travessão.

O centroavante foi lá, mas certamente não estava de bem com os orixás. Depois de algum tempo lá em cima, cochilou, deu um tombo e despencou. Na queda torceu o tornozelo e ficou dois meses fora de circulação. Além de perder a posição, teve que suportar a gozação dos companheiros. Daí para frente, Abílio nunca mais quis saber de ficar suspenso, preferindo apelar para as entidades do chão mesmo. Por uma questão de segurança física.

(Abílio no time do Náutico, no Torneio-Início de 1961. Em pé, Nancildo, Lula Vasques, Múcio, Zé Maria, Clovis e Hélmiton; agachados, Luís Carlos, Walter Prado, Abílio, Ênio Andrade e Fernando Bidé. (Foto extraída do livro “NÁUTICO A História em Fotos”, de Carlos Celso Cordeiro”)

Por: LENIVALDO ARAGÃO

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