Eduardo Araújo ex-presidente do Náutico

“O melhor foi ter tirado o Náutico da clandestinidade”
21/Dez/2003

Entrevista feita pelo Jornal do Commercio com Eduardo Araújo

Amanhã o presidente do Náutico, Eduardo Araújo, passa o cargo ao amigo Ricardo Valois, candidato do consenso, costurado por Araújo. Afeito ao jogo político, ele evitou um bate-chapa que parecia iminente. Como prêmio, Eduardo Araújo será o presidente do Conselho Deliberativo por quatro anos e já escolheu a sua meta e, por conseqüência, a do Alvirrubro: a conclusão das obras do CT. Mas a paz entre os timbus foi apenas uma de suas contribuições. As outras foram o acordo com a Justiça do Trabalho e a captação de recursos para viabilizar o clube. Hoje, a receita mensal beira os R$ 300 mil, quadro bem diferente do que encontrou: cerca de R$ 20 mil. Mas nem tudo foram flores. Se no lado administrativo há o que se comemorar, no campo de futebol, o tricampeonato estadual escapou e o sonho de subir à Primeirona foi adiado por mais um ano. Nesta entrevista ao repórter Moisés de Holanda, Araújo fala da experiência de administrar um clube.

Qual o balanço que o senhor faz do Náutico neste ano?
Temos que ter a visão de um clube como um todo. Este foi um período bastante positivo, embora não tenhamos conseguido o êxito no campo de futebol –, com a perda do título estadual e por não termos subido para a Primeira Divisão (do Campeonato Brasileiro). O importante foi que demos continuidade a um trabalho iniciado com a gestão de André Campos, que mexeu com a auto-estima do torcedor alvirrubro, conquistando um título que há 11 anos não conquistávamos e evitando que um de nossos adversários (o Sport) ganhasse o título de hexacampeão, que é a nossa exclusividade, e de Sérgio Aquino que implementou a organização administrativa do clube. Posso dizer que tive o privilégio de começar a viabilizar recursos para que o Náutico pudesse fazer seu planejamento. Eu tenho a consciência tranqüila do dever cumprido, porque conseguimos estabelecer um nível de arrecadação para que Ricardo Valois, o próximo presidente, possa fazer novas contratações, como está acontecendo. É importante frisar que tudo isso que foi feito não foi obra só minha. Conseguimos implantar uma gestão compartilhada. Tanto que Gustavo Krause (vice-presidente do Executivo), muitas vezes, tomou decisões de presidente.

Então, a marca da sua gestão foi a captação de recursos?
Se tivesse que enumerar algumas coisas importantes, apontaria o acordo inédito que fizemos com a Justiça do Trabalho. Houve também a captação de recursos com parceiros. Só para se ter uma idéia em dezembro do ano passado, tínhamos uma receita de R$ 20 mil. Neste mês, temos cerca de R$ 290 mil. Um trabalho que terá continuidade, pois é necessário agregar mais recursos. No ano passado, para pagar a primeira folha salarial, tive de recorrer a empréstimo de um alvirrubro, enquanto a futura gestão começa a fazer suas contratações já sabendo quanto poderá gastar.

Esta receita mensal de R$ 290 mil advém só de patrocinadores?
Não, está incluída também a cota da FBA (Futebol Brasil Associados). Por falar nisso, a cota da FBA, no próximo ano, deve chegar a, no mínimo, R$ 70 mil por mês, sem contar com passagens aéreas e mais a previsão de hospedagens. Na Série B de 2002, foram fornecidas 23 passagens aéreas (para cada jogo fora de casa), e neste ano recebemos 25 passagens e R$ 300 mil ao longo do campeonato. Também nesta questão de patrocínios foi muito proveitosa a união entre os três grandes clubes do Recife, pois ficamos mais fortes. Foi assim com o Lemon Bank, com o Governo do Estado e com a Prefeitura do Recife. Continuaremos com esse mesmo propósito e, em breve, estaremos anunciando novo patrocínio.

O clube deve cerca de R$ 22 milhões. Quanto desta quantia vem de questões trabalhistas?
Cerca de R$ 5,5 milhões, mas esse valor é progressivo. O bom é que o clube negociou 45 ações e, atualmente, está tratando de vinte acordos.

E são quantas causas trabalhistas?
Cerca de 130, mas com um planejamento maior poderemos negociar 40, 50 acordos no próximo ano.

Como foi o acordo com a Justiça do Trabalho?
Ficou determinado que ela descontará vinte por cento de todas as nossas receitas. Esse acordo não saiu do dia para a noite. Para se ter uma idéia, as conversas começaram no dia 31 de janeiro e tudo só foi concretizado no início de julho, graças à Justiça, que confiou na honestidade, na sinceridade e na transparência dos três grandes do Estado. Com este acordo, os clubes puderam exercer sua transparência, alavancar projetos e captar recursos, fazendo parcerias com empresas públicas. Quem não se lembra da constante presença do oficial de justiça nas portas dos clubes?, o que causou diversos constrangimentos. Me lembro que certa vez, veio um oficial aqui na sede, e tivemos que esconder uma quantia dentro do ar-condicionado, dissemos que não tínhamos dinheiro e ele informou que iria levar o ar-condicionado para o nosso desespero. Para não levar o dinheiro, dissemos que não seria possível o presidente despachar no calor. Também já houve oportunidade de Náutico e Santa Cruz depositarem uma cota da TV Globo na conta do Sport (que não estava bloqueada). Muitos clubes de outros Estados têm me pedido uma cópia deste acordo para eles negociarem. E o mais importante: não fizemos nenhum passivo trabalhista nesta gestão. Além de estarmos honrando todos os acordos firmados pelo clube. Por mês, pagamos cerca de R$ 27 mil ao FGTS (Fundo de Garantia por Tempo de Serviço) e ao Refis (programa da parcelamento de débitos do Governo Federal).

O que o senhor apontaria como erros de sua gestão?
No futebol, vamos achar erro em tudo, porque o produto é focado na emoção. Mas nossos erros não foram intencionais. Coloquei no início da gestão, um profissional reconhecidamente competente para lidar com o futebol (Adelson Wanderley) e até por falta de recursos e falta de sorte nas contratações não logramos êxito neste projeto.

O senhor não acha que o departamento de futebol tem de ser entregue a profissionais?
O futebol é tão diferente que a gente viu que quando um colegiado é reduzido, funciona melhor. As pessoas são mais disponìveis e já têm um jeito de lidar com cada jogador. Quem está por fora, acha que é fácil, mas é muito difícil.

Agora o Náutico está unido e, aparentemente, pacificado. Como se chegou ao consenso num clube marcado pelos ‘rachas’?
Acredito que o Náutico ainda não tem maturidade suficiente para achar que um determinado grupo pode assumir, enquanto o outro assiste da arquibancada. Por quê? Porque esse trabalho (de reestruturação) que começou com André Campos ainda está no começo. Esse projeto demanda mais uns três anos. Depois haverá condições de comportar uma disputa, o que, aliás, é benéfico.

O senhor tinha medo de que o trabalho de reestruturação política pudesse ser desfeito de uma hora para outra?
Poderia acontecer, porque o sentimento seria o de ir para a arquibancada (criticar) e eu sei disso porque fizeram isso comigo, sem nem saber da realidade do clube. Não é nada contra a Confraria, mas sim pelo conhecimento ds dificuldade de se administrar. A Confraria, de forma madura, viu que a melhor forma de ajudar é essa (compondo uma chapa de consenso).

Este processo eleitoral não foi fácil…
Nenhum processo político é fácil. É preciso ter muita paciência. Mas o mais importante é que quando, em política, se constrói um grande acordo é porque alguém teve um gesto. Neste caso, todos os alvirrubros envolvidos tiveram. Paulo Alves, por exemplo, abriu mão de sua candidatura à vice-presidência (do Executivo) se o seu nome causasse algum desentendimento na construção da chapa. Se há um legado político que a gente está deixando é uma direção em que cabem todas as correntes.

JC – Qual foi o pior e o melhor momento de sua gestão?
Confesso que não tive um pior momento. Claro que houve problemas, senão eu estaria querendo tapar o sol com a peneira. Já o melhor foi ter tirado o Náutico da clandestinidade, realizando o acordo com a Justiça do Trabalho. Isto permitiu a nossa busca por receitas…

…Já há a previsão de receitas, mas como sair daquele círculo vicioso de sempre montar vários times durante uma mesma temporada? Neste ano, o Náutico contratou quatro treinadores e cerca de setenta jogadores.
Para se contratar agora, estamos seguindo um perfil. Contratamos um treinador (Zé Teodoro) que tem gana em trabalhar com a divisão de base, que é o projeto do Náutico. Outra coisa fundamental é que quem vai assumir o clube é uma pessoa que está aqui desde 1989, já foi vice-presidente e a maioria de nossa diretoria vai permanecer, agora mais experiente.

O senhor não tem medo que isso seja visto como uma falta de renovação das forças políticas do clube?
Não, muito pelo contrário. Feliz do clube que tem entre seus dirigentes, ex-jogadores e pessoas que se dedicam de corpo e alma. Conhece-se poucos casos de pessoas assim que fazem isso sendo remunerados. E os nossos nem recebem para isso. Na verdade, acontece o contrário. Eles remuneram o clube e, muitas vezes, tiram do próprio bolso.

Em algum momento, passou pela sua cabeça a reeleição?
Não, até porque assumi de uma forma diferente. Condicionei a Gustavo Krause a minha candidatura – e só aceitei ser presidente porque não tinha quem assumir –, se eu não ficasse dentro do futebol. Eu iria ajudar, mas não me envolvendo com contratações.

Ricardo Valois assumirá um Náutico mais estrutrado se comparado ao que o senhor encontrou?
Por Valois ser da área financeira (é administrador), acredito que ele assumirá com mais segurança. André assumiu num momento de loucura, só havia três jogadores no elenco e chegamos ao ponto de precisar de dinheiro emprestado de Sangaletti. Sérgio assumiu e, ao lado de Renê Pontes, começou a dar um formato administrativo. E eu consegui dar prosseguimento.

O senhor acha que o clube vai estar totalmente estruturado administrativamente a partir de quando?
Acredito que com dois ou três anos. Temos a meta de concluir o Centro de Treinamento e isso vai baratear bastante o nosso custo com (locais de) concentração, algo em torno de R$ 300 mil/ano.

Nesta próxima gestão, que vai ter o senhor como presidente do Conselho, o Náutico vai trabalhar focado somente na conclusão do CT? Não, vamos ter grupos de trabalho atuando em várias áreas.

Como tem sido o relacionamento do Náutico com a Federação Pernambucana de Futebol, após a agressão que o senhor recebeu do presidente Carlos Alberto Oliveira, ainda no Campeonato Estadual?
Tomei a iniciativa de procurar a Justiça e ainda estou esperando uma resposta sobre esse assunto. Não misturo nada de ordem pessoal daquilo que é público. Só sei que o Náutico não recebeu nenhum tipo de incentivo da Federação na Série B e acho que isso também se estende aos outros dois clubes. O acordo construído na Justiça do Trabalho e os patrocínios em conjunto foram feitos pelos três clubes. A Federação tem muito a fazer e cabe a ela dar aos clubes um tratamento igual.

O senhor acha que a FPF deixou a desejar no acompanhamento dos clubes na Série B?
No momento em que a Federação tem uma dificuldade de relacionamento com a CBF isso respinga sobre o futebol de Pernambuco. Isso é fato, não há nada de pessoal. Não podemos deixar de levar isso em consideração, pois não traz benefícios ao futebol do Estado.

Se pudesse escolher entre ser campeão pernambucano ou voltar à Primeira Divisão, qual seria a sua opção?
Objetivamente, seria voltar à Primeira Divisão porque teríamos condições materiais de viabilizar muitas parcerias. Se já estamos conseguindo na Segunda Divisão, imagine na Primeira.

No próximo ano, a Segundona terá mais dois times nordestinos. As possibilidades de os times pernambucanos subir aumentaram ou seria melhor que tivesse caído algum clube do eixo Sudeste-Sul?
Considerando-se a hipótese de que outros times teriam mais condições, como tiveram Palmeiras e Botafogo, seria mais difícil mesmo. Temos possibilidade de retornar e para isso estamos fazendo um planejamento, armando um time forte que pode ser reforçado para o Brasileiro.

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